Roberto Moita
Cearense de nascimento, Roberto Moita começou a estudar
arquitetura na Universidade Federal da Paraíba. Com três anos de curso, em
1984, se transferiu para seu estado natal e concluiu o curso na Federal do
Ceará, mas mantém amigos na Paraíba. Assim, esteve em João Pessoa em dezembro e
se reuniu com um grupo de arquitetos para estimular a criação da Associação
Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea), do qual é o atual presidente
até dezembro deste ano.
Ele vive em Manaus há 32 anos. Se mudou para a capital amazonense
logo após ter se formado. E lá demostrou talento não só para a arquitetura, mas
também para o empreendedorismo. Construiu o próprio escritório com muito
planejamento para atingir o objetivo de fazê-lo exatamente como tinha pensado:
comprar um terreno, construí-lo do zero. “Comecei a construir com sete
anos de formado. E queria que fosse um paradigma do que a gente poderia
oferecer para a sociedade, um lugar que fosse estimulante para a permanência
das pessoas. Não só para os clientes, mas também para a equipe”, conta o
arquiteto à AE.
A partir daí outros terrenos
foram comprados e outros empreendimentos iniciados. Como o Container Mall, um
shopping de containers para negócios inovadores de Manaus, como um hostel, uma
hamburgueria, sorveteria artesanal. Entre outros, há também um condomínio
inteiro em desenvolvimento, para o qual convidou sete escritórios de
arquitetura para criarem em conjunto um condomínio de alta qualidade.
O empreendimento é um risco – como a vida
24/04/2019 às 12:18 / Fonte Divulgação / Por Renato Félix
Sobre a aventura do empreendimento e como lidar com os riscos, Roberto Mota conversou com a AE. "Quando você escreve seu roteiro de vida, cria um
plano de ação e começa a atuar sobre ele, um passo atrás do outro, o universo
conspira a teu favor. O universo jamais vai oferecer aquilo que você não se
organizou ou trabalhou para que acontecesse".
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AE — Por que motivo
você foi trilhar sua trajetória profissional em Manaus?
Roberto Moita — Meu pai morava em Manaus na época. E eu
morei aqui na primeira infância. Vinha aqui nas férias encontrar meu pai. Então
eu sempre tive conexão com Manaus. Quando me formei, vim fazer uma viagem
exploratória de uns quinze dias. Terminei ficando só cinco dias e fui “pegar os
livros”, como eu falo. Porque eu vi que tinha bastante oportunidade. Àquela
altura eu já tinha experiência tanto em escritórios de arquitetura quanto no
patrimônio histórico, que foi umas das escolas da minha formação. Trabalhei no
Instituto do Patrimônio Histórico Nacional como estagiário e isso me deu uma
aproximação muito grande com outras leituras da arquitetura, sobretudo a
questão da formação histórica das cidades, das camadas que são a cidade: um
conjunto de camadas se formando com o tempo. E Manaus tinha muito campo,
também, para a questão do patrimônio histórico. Manaus é uma cidade construída
em cima de uma aldeia indígena, depois se converteu numa metrópole ainda no
século XIX, depois teve um segundo ciclo de desenvolvimento, que foi o ciclo
industrial nos anos 1960... Nesse contexto, a cidade me instigava muito.
AE — Uma mudança
dessa implica em correr riscos. Como é que você avalia essa realidade de quem
quer montar um escritório, que tem que se arriscar para fazer as coisas acontecerem?
RM — Tem uma frase que eu gosto muito: "Quem não se
sentir apto a correr riscos vai trabalhar para alguém que corre riscos".
Na verdade, a vida é um grande risco. Abrir uma empresa tem riscos. Criar vagas
para funcionários e estagiários tem riscos. Criar alianças e parcerias e
sociedades para alavancar um escritório de arquitetura já é um primeiro gesto
de ousadia, sobretudo num país tão difícil quanto o Brasil. Eu sempre estive
muito aberto, desapegado à ideia de estabilidade, segurança, a âncoras. Sempre
fui muito ousado em experimentação, em me alavancar e me bancar em situações
poucos ortodoxas, do ponto de vista do desafio da vida em geral. Essa aventura
de vir pra Amazônia me soava naquele momento – eu muito jovem, com vinte e
poucos anos – um grande barato. E todas as possibilidades que eu imaginava em
termos de engajamento profissional e possibilidade de realizar experiências as
mais diversas aconteceram. Foi como se eu estivesse lançando uma luz sobre um
futuro possível e auspicioso e depois a vida me ofertou tudo isso. Porque de
alguma maneira eu também estava preparado para isso: pra entender esse
contexto, pra atuar sobre ele de uma forma virtuosa, de uma forma cinérgica,
para oferecer soluções para o problema dessa comunidade que eu abraçava naquele
momento.
AE – O arquiteto, na
sua formação, não aprende a gerir um negócio, não é?
RM – Eu sempre digo que o arquiteto tem uma série de habilidades
que são próprias ao empreendedorismo. Mas, como qualquer profissão, ele não é
completo. Um administrador conhece muito bem da gestão de um negócio, mas ele não
conhece como criar produtos, por exemplo. A arquitetura nos oferece uma série
de habilidades e ferramentas que são muito próprias ao empreendedorismo. Na
escala da cidade, por exemplo. Os arquitetos têm uma leitura urbanística – e ao
mesmo tempo econômica, social, antropológica até – da dinâmica das cidades que
faz com que a gente consiga ter, por exemplo, a capacidade de entender as melhores
localizações para negócios. Ou entender as vocações latentes que a cidade tem
para determinados negócios. A compreensão das necessidades da cidade e ao mesmo
tempo das oportunidades que ela tem. O jogo dos desafios e das travas. Por
outro lado, a gente desenvolve nas atividades de projeto a habilidade de tornar
os lugares encantadores. E hoje num mundo em que as pessoas estão ávidas por novas
experiências, nesse particular os arquitetos são mestres. Uma parte da
experiência é a própria construção do lugar, a atmosfera que o lugar oferece: a
luz, o aconchego, a disposição desse lugar, a integração com paisagem – tudo
isso são elementos que criam esse encantamento.
AE – Que conselho
você daria para um arquiteto que deseja empreender, mas que tem certa
dificuldades porque o lado artístico é muito dominante?
RM – O empreendedorismo exige que a gente desenvolva outras
habilidades além daquelas que são natas da nossa profissão. Uma delas é a
disciplina financeira. Sem um controle de custos e receitas, os negócios podem
se transformar em um grande problema. É preciso ter noção da escala do
investimento para poder dar conta das eventualidades e inclusive da
possibilidade de não ter pleno sucesso – porque a gente não acerta em tudo na
vida. Eu tenho experiências de ter perdido dinheiro, de ter quebrado com um
negócio ou de ter resolvido fechar um negócio porque ele não ia bem. Mas a
gente também aprende. Eu sempre digo que todo negócio que dá errado é uma
pós-graduação que você pagou por ela. Você tem que saber tirar lições dos seus
próprios erros, senão você desperdiçou a oportunidade. Depois, vem a questão de
você ter noção de que o mercado te recebe. E o mercado tem regras próprias. Não
são regras flexibilizáveis. Ele tem um jeito de receber as coisas. E quem é o
mercado? O mercado são as pessoas, são as escolhas que as pessoas fazem no dia
a dia. É o olhar médio do cidadão. E dentro do famoso “mercado maior” tem
muitos mercados, tem nichos. E muitas vezes o negócio vai buscar o nicho que
não é explorado, que o mercado conservador não acha razoável arriscar. Muitas
vezes está exatamente nesse pensamento fora da caixa – ou seja, nessa relação
com o mercado, sinérgica, realista, mas ao mesmo tempo inovadora e instigante –
que a gente vai encontrando os nichos e as oportunidades inexploradas. Aí, essa
formação do artista, que você falou, que olha a cidade com mais indagação, com
mais liberdade, muitas vezes faz a grande diferença.