Renascida das Cinzas
04/02/2020 às 09:31 / Fonte Juliana Vitoriano / Por Juliana Vitoriano
Destruída na II Guerra, a cidade holandesa se reinventou
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Desembarquei em
Roterdã por volta das 11h de uma manhã ensolarada. Do aeroporto, segui de
trem para a Estação Central. Já nesse curto trajeto, tive um vislumbre da
arquitetura vanguardista predominante em toda a cidade.
As construções são
audaciosas e contrastantes com o restante do país, porque durante a Segunda
Guerra Mundial, Roterdã foi quase destruída por completo e por isso restam
poucas construções datadas de antes da guerra. O plano de reconstrução envolveu
uma arquitetura inovadora com arranha-céus e formas inusitadas, além de uma
extrema valorização às artes.
Há diversas esculturas situadas pela cidade,
sendo que a "Stad Zonder Hart" do artista russo de origem judaica
Ossip Zadkine, é a mais conhecida entre elas. Este monumento representa a
cidade sem coração, uma lembrança dos tempos sombrios.
O grande edifício
da Central Station é meu ponto de partida para conhecer a cidade a pé. Uma
forma que muito se assemelha a uma asa delta, a cobertura da estação é um vão
alto e inclinado, que abriga os milhares de visitantes que ali passam todos os
dias. A fachada envidraçada permite uma visão ampla do horizonte, enquanto
caminha-se em direção à rua. De lá, segui para o Markthal, onde pude provar a
culinária local e conhecer o maior mercado coberto da Holanda. Em forma de
arco, ladeado por apartamentos residenciais, possui em seu interior, um vão
livre pintado com elementos colorido onde abriga stands com especiarias do
mundo todo, frutas, restaurantes e um estacionamento subsolo. É um audacioso e
mais recente projeto da cidade.
Através da enorme fachada envidraçada já se vê
o próximo ponto a ser visitado, o Het Potlood ("Edifício Lápis").
Como o próprio nome
diz, o Het Potlood é um prédio residencial em forma de lápis, foi um projeto do
arquiteto Piet Blom e tornou-se ícone na época da construção.
Bem próximo a
esse empreendimento, está o complexo de casas mais famoso da cidade, o
Kubuswoningen ou As Casas Cúbicas. São, ao todo, 38 unidades em forma de cubo
girado em 45º, divididas em três pavimentos. Internamente, as paredes
inclinadas podem ser um pouco claustrofóbicas nos pontos mais baixos, mas nada
que comprometa o efeito surpreendente de estar dentro de uma casa tão única.
Piet
Blom idealizou esse complexo às margens do antigo Porto como um bosque e se
fecham num pátio central aberto. Por isso, as unidades também se assemelham a
árvores racionalizadas, sendo a "copa" a residência em si e o
"tronco" destinado ao comércio e escritórios. Esse porto, por sinal,
é uma das poucas partes da cidade que sobreviveu aos bombardeios, é possível
apreciar os barcos atracados, enquanto ocupa uma das disputadas mesas dos cafés
e bares locais.
O passeio às
margens do rio, nos leva até a Erasmusbrug, outro cartão postal da cidade. Uma
ponte de 800m de extensão que conecta a futurística redondeza de Kop van Zuid
até o histórico Delfshaven.
O dia seguinte foi
todo dedicado ao Het Nieuwe Instituut. O instituto, que discute o passado, o
presente e o futuro da arquitetura, é aberto ao público e possui uma das
maiores coleções do mundo. O acervo e a biblioteca possuem um vasto registro
sobre o tema, são mais de 35 mil livros, rascunhos e fotografias. O trabalho de
todos os arquitetos holandeses desde 1800 está registrado no local. Aproveitei
uma visita guiada para conhecer boa parte das exibições, que discutem as
novidades arquitetônicas nacionais e internacionais, além de promover
palestras, oficinas e workshops.
O prédio em si não me chamou tanta atenção
diante de tudo o que já havia visto em Roterdã, é uma estrutura relativamente
simples, uma caixa envidraçada compreendida dentro de um esqueleto em aço,
associada a um bloco em concreto. Seu interior e tudo o que acontece lá é mais
impressionante do que o complexo predial. O café, em especial, tem um aspecto
lúdico com peças coloridas amontoadas.
Neste espaço com pé direito duplo, se
contempla os jardins do instituto. Na biblioteca, tive a percepção de estar
numa instalação industrial com estantes amplas, abertas que permitem a visão
através delas. As tubulações aparentes e os dutos de ar refrigerado me dão a
sensação de algo que está além do meu tempo, propositalmente, inacabado. Como
se a mensagem fosse que ali sempre haverá espaço para o novo, para o que está
por vir, o vanguardismo e o futuro.
Roterdã, apesar
dos acontecimentos funestos do passado, reinventou-se. É uma cidade renascida
das cinzas, visionária, dinâmica e cosmopolita. Apesar da curta estadia, tive a
clara percepção do quanto ela é um ícone modernista e um símbolo de superação
holandesa, suas construções nos ensinam que do caos é possível ressurgir algo
grandioso, ousado e marcante.